Coincidentemente, nesta mesma semana o mercado publicitário estará debatendo, em duas frentes, o futuro da atividade. Primeiro, através da retomada das atividades do Comitê de Negociação do Conselho Executivo das Normas-Padrão (CENP). E nestas quinta e sexta-feiras, durante a reunião nacional da Abap, que acontece no Rio de Janeiro.
Conversando com dirigentes de agências de pequeno e médio porte do Rio de Janeiro, a Janela percebeu que as expectativas do setor por grandes mudanças não são poucas.
As agências estão sofrendo uma pressão para baixo em sua remuneração.— Roberto Amarante
Não por acaso, Roberto Amarante (foto do topo), presidente da 3A Worldwide — agência associada à Abap-Rio —, lamenta que os clientes tenham deixado de perceber, “convenientemente”, o valor das agências de publicidade. A situação piora, ele aponta, porque tem sido comum “alguns veículos, na contramão das determinações do CENP, oferecerem vantagens para clientes diretos”, em condições que eles não dão quando negociam com as respectivas agências.
— Com esse binômio negativo, as agências estão sofrendo uma pressão para baixo em sua remuneração, e algumas acabam cedendo em função de problemas financeiros pontuais. O resultado é que isso, muitas vezes, se torna referência para novos jobs — chama a atenção Amarante.
Leonardo Cavalcanti, presidente da PS10, se ressente de que, a despeito de haver, há anos, regras estabelecidas pelo CENP, na prática o comportamento do mercado venha sendo diferente, com as regras frequentemente desrespeitadas. “Se nem as agências grandes seguem o que está no papel, os clientes, que sabem disso, acabam se aproveitando, o que prejudica muito as agências pequenas e médias, ainda mais no momento de crise que vivemos”, protestou.
A PS10, por exemplo, apesar de ter mais de 10 anos de mercado, não participa de nenhuma entidade. “Acho que o papel das instituições deveria ser muito além do que acontece hoje”, diz o executivo. Uma função que Leonardo Cavalcanti recomendaria para a Abap seria regular a participação de suas associadas nos processos de concorrências, criando regras inclusive para as disputas por contas da iniciativa privada.
— As concorrências que cada vez estão mais degradantes, seja pelo prazo curto, como pelos investimentos que temos que fazer. Sem falar que as agências sequer são remuneradas por participar. É comum vermos clientes que nem nos informam os nomes das outras agências estão participando, para podemos definir se queremos ou não entrar. Outras vezes o cliente nem mesmo se dá ao trabalho da comunicar o resultado. Além de vermos o cliente pegar a ideia que ele mais gostou e sair negociando preço para realizá-la com os demais concorrentes — reclama o diretor da PS10, que gostaria que associações como a Abap servissem para o mercado se aglutinar e estabelecer formas de autodefesa.
Outro que gostaria que as entidades ouvissem mais as pequenas e médias agências, para que elas possam se sentir representadas em seus problemas, é Marcelo Gorodicht, hoje diretor da X-Tudo, mas que tem no currículo o comando do escritório carioca de uma grande empresa, a Fischer América, nos anos 90. Ele também alerta para o risco de a reunião da Comissão de Negociação do CENP ter a presença de representantes dos veículos tradicionais, mas não garantir que as grandes mídias digitais, como o Facebook e o Google, também se comprometam:
— Se é para o CENP continuar estabelecendo como forma de remuneração o comissionamento por veiculação, tem que haver uma forma de fazer com que o Google e o Facebook participem do acordo e comecem a remunerar as agências. Se isso não acontecer, nada vai melhorar para o mercado, porque é para o digital que grande parte da verba dos anunciantes das pequenas e médias está indo. E isso não é uma coisa momentânea. Cada vez será mais. — considera o diretor da X-Tudo.
Marcelo explica que, não por acaso, tem preferido negociar fee com os clientes que, no dia a dia, não estejam na mídia tradicional.
O publicitário aproveita para chamar a atenção sobre a existência de outras entidades, como a Abradi, que representam agências digitais.
— Qual o sentido de o CENP negociar as relações de trabalho das agências de publicidade na mídia digital, enquanto as empresas que se dizem especializadas na área terem outros representantes e negociarem diferentemente com seus clientes. Elas deveriam ser chamadas a participar das negociações — defende.
O Rio de Janeiro em questão
No meio de todas estas preocupações dos empresários cariocas de propaganda, encontra-se, naturalmente, a própria crise econômica por que passam tanto o município como o estado do Rio de Janeiro, a ponto de um executivo do setor, que preferiu não se identificar, apontar que o principal problema das agências do Rio seria “o próprio esvaziamento do mercado anunciante local”, provavelmente se referindo à transferência que aconteceu de muitos anunciantes outrora sediados na cidade para outras capitais, além das estatais para Brasília. “A forte diminuição dos investimentos em comunicação por parte dos clientes e as negociações impostas acabaram reduzindo muito as margens de lucro das agências”, sente o profissional.
Até por conta disso, o dirigente da agência Onzevinteum, Gustavo Bastos, acredita que a solução esteja em ampliar o número de clientes ativos no Rio de Janeiro.
— Precisamos convencer os grandes clientes de que uma agência carioca pequena ou média tem qualidade para atender grandes marcas. Com certeza, a questão da remuneração acaba sendo secundária em relação a isso. Além disso, as agências de comunicação precisam mostrar aos clientes que o nosso trabalho gera valor às marcas e empresas. E isso custa dinheiro, é um investimento que vale a pena — aposta Bastos, cuja empresa também participa da Abap.
O diretor da Onzevinteum entende que este não seja trabalho fácil ou rápido, mas insiste que é necessário que ser feito:
— Precisamos que se faça no Rio uma campanha valorizando as agências cariocas, que fazem um trabalho incrível mas, pelo tamanho, muitas vezes não entrem no radar. A cidade de Los Angeles está neste momento com uma campanha publicitária linda para posicionar a cidade como centro criativo em propaganda, além de cinema e entretenimento. O Rio deveria seguir este caminho. Aí a remuneração melhora. Precisamos acreditar mais naquilo que vendemos — completa Bastos.
A Janela está aberta à continuação dos debates a respeito, com seus leitores.
Leia também:
• CENP volta a negociar remuneração com anunciantes
Olá, Marcio. O que está abordado na sua matéria (sobre um certo descontentamento dos
gestores de agência em relação às entidades de classe) vai justamente ao
encontro de um dos resultados do Censo das Agências 2018. Analisando a
pesquisa, respondida por gestores de mais de 500 agências, fiquei pasma ao ver
que 56% deles declararam que suas empresas não eram associadas a nenhuma das entidades
mencionadas na pesquisa (Cenp, Abap, Abradi, Sinapro). Melhor as entidades
abrirem o olho.